domingo, 13 de julho de 2014

A Microeconomia dos Álbuns de Figurinhas da Copa (e outras curiosidades da copa)

Olá caros leitores, quanto tempo! Pois bem, hoje é o dia da grande final da copa do mundo de futebol de 2014 (e também o dia mundial do Rock). Fora a grande decepção com a nossa seleção, a copa esteve boa, bons jogos e uma excepcional média de gols (veja dados atualizados abaixo). Não tenho nenhum palpite forte para o jogo de hoje, penso que a Alemanha tem o melhor conjunto, mas a Argentina pode decidir em um pequeno lance e se sagrar campeã, e ninguém poderia dizer que isso seria desmerecido. Pois bem, mas meu assunto principal de hoje é outro e não está particularmente associado com o que acontece dentro das quatro linhas, mas sim fora dela, mais precisamente, dentro das páginas dos albúns de cromos da copa.

Para quem quiser saber detalhes da pré-produção, recomendo essa interessante matéria do Jornal Estadão (de onde tirei a excelente figura ao lado, sem autoria publicada).* Ou então essa excelente matéria da The Economist que tirou as ideias da minha cabeça e está em melhor sintonia com o tema deste post.** Eu mesmo não estou colecionando as figurinhas, mas conversando com amigos e ajudando familiares fiquei intrigado com alguns aspectos dessa atividade econômica. O primeiro deles é o quanto é difícil a tarefa de completar o álbum. Os ganhos com a atividade são marginais, pense comigo, começar o álbum é muito fácil, sabendo-se que um pacote com 5 figurinhas nunca tem figurinhas repetidas, com um álbum novinho, todas aquelas figurinhas de jogadores encontraram lugar e ficamos felizes com o desenvolvimento da tarefa. Porém, a medida que completamos mais e mais o álbum, aparecem cada vez mais figurinhas, e a repetição se torna inevitável e a troca desesperadoramente urgente. Ou seja, como toda criança já sabe, fazer um álbum de figurinhas requer um puta networking.

Ora, um economista fica sempre fica admirado com essas possibilidades de troca. Em particular, eu estava intrigado em tentar descrever que tipo de funções pode descrever esse tipo especial de preferências. Minha linha de raciocínio estava em cima do fato, de que após encontrar a carta procurada (digamos que a figurinha do Messi, por exemplo), o colecionador se sente plenamente saciado daquele bem (a tal carta) e tirar o mesmo cromo novamente se torna relativamente um fardo, não acrescentando nenhuma utilidade... a não ser, é claro, a não ser que essa carta tenha utilidade pela troca. Então, uma carta que já se tem se torna desejada apenas pelo fato de se poder trocá-la por cromos que ainda não se possui. Isso é evidente, mas voltaremos mais a isso adiante, antes vamos tentar entender um pouco a matemática do problema.

Vejamos, suponha, por simplificação, um álbum com apenas 10 figurinhas para completar: A, B, ... , J. Uma pergunta que se pode fazer é: Qual o número mínimo de pacotes é necessário comprar para completar o álbum?

- Sabendo-se que cada pacote possui 5 figurinhas é fácil concluir que com sorte dois pacotes seriam suficientes. Um pacote com A, B, C, D, E e outro com F, G, H, I, J. Ou qualquer dois pacotes com uma permutação entre estes dois primeiros.

Porém a situação acima só ocorre com algum golpe de sorte, pois, nesse caso, existem 252 pacotinhos (sem figurinhas repetidas em cada) possíveis de serem obtidos (10!/5!*(10-5)!). O primeiro que se tira é sempre certo, chance de 100% de se encontrar lugar para todas as figurinhas. O segundo pacote deve ser único para completar o álbum, por exemplo, caso você tenha tirado as figurinhas B, D, F, G, I, o único pacote que o permitirá completar o álbum na segunda tentativa é o A, C, E, H, J. Ou seja, sua chance de completar na segunda chande é de 1/251, ou seja, 0,4%. Porém, com apenas 5 pacotes a pessoa pode ter mais de 50% de completar o álbum nesse caso, e comprando 10 pacotes a chance de completar o álbum é de 99%.

Porém, o álbum real da Copa possui 640 figurinhas! Nesse caso, caso um jogador queira completar o álbum sozinho, sem ajuda das trocas, terá de comprar, em média, 873 pacotes, ou seja gastar R$ 873,00 para completar o álbum sozinho ou R$ 1361,02 para ter 99% de chance de completar o álbum. Conta parecida com aquela dos matemáticos da revista The Economist (coloquei minhas rotinas do R nos comentários).

Agora passemos para um raciocínio mais microeconômico sobre as trocas. Para facilitar esse raciocínio imagine um álbum em que objetivo seja obter 2 figurinhas X e 2 figurinhas Y, ou seja, completar XX e YY. Suponha ainda que os pacotes venham com 4 unidades, podendo ser repetidas de qualquer maneira. Sendo assim, suponha que o colecionador compre um pacote com 4 de X (XXXX) e o colecionador tirou um pacote com uma figurinha de X e 3 de Y (XYYY).

Essa economia tem 5 Xs quando precisaria de apenas de 4 para esgotar o mercado. Em contrapartida possui apenas 3 Ys quando na verdade precisaria de 4 para satisfazer o mercado. Assim trocas que esgotem o mercado não são possíveis. Ainda assim, o primeiro colecionador pode trocar um de seus X excedentes por um dos Y excedentes do seu colega. O colecionador 2 conseguirá satisfazer seu álbum (XXYY) enquanto que o 1 ficará um pouco melhor com (XXXY) ao invés da situação anterior. Há um excedente de uma figura X nesse mercado.

Na figura abaixo apresento uma caixa de Edgeworth transformada para mostrar essa situação inicial e após as trocas. As linhas retas em preto assinalam o ponto de saciedade para cada colecionador (que é possuir dois de cada um dos cromos):

Figura 1 - Caixa de Edgeworth simplificada com a situação Inicial antes das trocas.
Após o colecionador 1 trocar uma de suas X por uma Y do colecionador 2, a situação se torna a abaixo exemplificada. O colecionador 2 atinge seu ponto de saciedade e o colecionador 1 fica um pouco melhor do que a situação inicial.*** Além do ponto desenhado abaixo precisamos supor que não existem mais curvas de indiferença para o colecionador 2. O colecionador 1 ainda deseja melhorar sua situação, mas ele não pode mais fazer trocas com 2, que já está esgotado.

Figura 2 - Caixa de Edgeworth simplificada com a situação após as trocas.
O colecionador 1 tem de encontrar algum outro colecionador com 'XYYY', por exemplo, para trocar e assim completar o mercado. Ou seja, quanto mais participantes nesse mercado, melhor para quem está com um álbum de figurinhas desbalanceado como o colecionador 1. Um modelo mais complexo para as trocas de figurinhas da copa seria o que acrescentasse um custo de se encontrar novos colecionadores, isso colocaria algum 'atrito' nas trocas. E ajudaria a explicar ainda mais porque é tão difícil completar um álbum e ainda mostraria a importância dos custos de transação, que muitas das vezes o mercado realizar uma alocação perfeita.

E agora uma informação de utilidade pública. A copa de 2014 teve uma média de 2,67 gols por partida (não contando pênaltis). O jogo do Brasil x Alemanha, que teve 8 gols e possui um impacto significativo no resultado final (elevando a média em 0,08), ou seja, sem essa partida não igualaríamos a média de gols por partida de 1998. A copa do Brasil reverteu uma tendência declinante vista desde 94, Vamos acompanhar para ver se a média de gols no futebol continua apresentando a oscilação em torno da média de 2,59 das últimas 13 edições. O gráfico abaixo foi atualizado de acordo com os dados da FIFA que baixei em posts anteriores (aqui e aqui) e minhas anotações na última copa.****


Outra informação de utilidade pública para você que ainda não completou o álbum, ainda é possível completá-lo. A venda de figurinhas continua até setembro, e a Panini coloca em algum lugar do álbum que é possível comprar diretamente por correio figurinhas faltantes. Bom, é isso, abraços e boa Final a todos.

Ah sim! Uma última curiosidade: estive intrigado por saber porque o brasão oficial da seleção inglesa não aparecia no álbum de figurinhas, assim como os jogadores não apareciam vestindo a camisa oficial da seleção. Eis aqui o motivo disso.

* Estou sem meus aparatos para fazer um desenho autoral, assim que for possível, tento upar um desenho meu :-)
** Devo a recomendação desta matéria ao amigo Alan André Borges da Costa, com o qual comentei minhas aflições microeconômicas com o tema =D
*** Outra troca possível, que deixaria o colecionador 2 indiferente pela função que representei, seria o colecionador 1 dar uma de suas cartas X, mas ganhar duas cartas Y em troca do colecionador 2. Isso faria o colecionador completar o álbum e o 2 ficar ainda indiferente. Porém podemos imaginar que 2 não aceitará essa troca (pode-se especificar uma função de utilidade um pouco diferente, mais "apertada"). Repare que não precisamos igualar as TMS nesse exercício dado que estamos interessado nos pontos de saciedade.
**** Dados atualizados após a final.

Um comentário:

I'm a Rock disse...

Aqui nos comentários a rotina do R que usei para descobrir o número médio de cartas para se completar o álbum:

##########################
# PRIMEIRO CASO:

Figuras <- LETTERS[1:10]
guarda <- NULL

for (i in 1:3000){
loop <- 0
S <- NULL
while (length(S) < 10)
{
S <- unique(append(sample(Figuras,5), S))
loop <- loop + 1
}
guarda[[i]] <- loop
}

summary(guarda)
quantile(guarda, c(0,.99))

#############################
# SEGUNDO CASO

Completo <- seq(1:640)
guarda2 <- NULL

for (i in 1:3000){
loop <- 0
S <- NULL
while (length(S) < 640)
{
S <- unique(append(sample(Completo,5), S))
loop <- loop + 1
}
guarda2[[i]] <- loop
}

summary(guarda2)
quantile(guarda2, c(0,.99))