quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Histórico do Número de Candidatos na ANPEC

Recentemente tive de me deparar com a tarefa administrativa de procurar o número de candidatos inscritos no Exame nacional da ANPEC nos últimos anos. A tarefa que inicialmente aparentava ser fácil (eu já havia visto gráficos mostrando essa evolução anteriormente) se demonstrou mais difícil do que eu imaginava inicialmente. Isso porque a ANPEC não mantém um registro histórico fácil de ser encontrado em seu site. 

Fiquei pensando que isso pode ocorrer por conta da coordenação do exame ser itinerante. Sendo, dessa maneira, difícil manter um registro histórico de algumas informações administrativas das provas. Encontrar as provas e gabaritos anteriores é bem fácil, elas estão todas relacionadas no site, o registro remonta até o ano de 1990. Porém, resgatar o número de inscritos e de centros participantes a cada ano se mostrou uma tarefa inglória.

Sobre o número de inscritos, por exemplo, eu já sabia que a dissertação do Felipe Bardella trazia alguns dados do número de inscritos. No entanto a série do trabalho dele terminava em 2004, lá se vão 10 anos. Encontrei uma série mais atualizada e aparentemente correta nesse site aqui dada pelo blog "além das curvas". Porém a informação que consta aí vai até o exame de 2008 apenas. Após então uma tarde de muito trabalho buscando ano a ano o número de inscritos na ANPEC (até na Folha de São Paulo encontrei as informações) imagino que elas estão com um bom nível de aproximação. O resultado está no gráfico logo abaixo.

___________________Fonte: Ver o texto acima.

Então parti para buscar uma informação que achei que seria bem mais simples: o número de centros ofertantes de vagas. Que nada! A ideia inicial era consultar os manuais do candidato e ver quantos centros constavam na relação de cada ano. Mas isso se torna impossível pois antes de 2011 não se encontra os manuais do candidato na internet. Entre os anos de 2005 e 2010 tive de interpolar os dados e essas informações aparecem pontilhadas no gráfico abaixo.



___________________Fonte: Ver o texto acima.


Vou tentar resgatar ainda essas informações com mais precisão junto à coordenadoria atual. Porém seria interessante a ANPEC ter o mesmo cuidado que tem com as provas e gabaritos com essas informações administrativas, pois ao longo do tempo um pouco da história da ANPEC pode se perder junto com essas informações, se tornando bem difícil um futuro resgate.

sábado, 2 de agosto de 2014

Luciano Huck coloca um Dilema dos Prisioneiros na TV

Versões televisivas do dilema dos prisioneiros não são incomuns. Silvio Santos em 2002 decidiu implementar um jogo chamado 7 e Meio em que na final dois oponentes, depois de terem derrotado outros adversários, ficavam frente a frente no palco e escolhiam entre o 7, que significava tentar ficar com o prêmio inteiro (não cooperando com o oponente) ou 1/2 (Meio), aceitando partilhar o prêmio (em que, no caso, os dois dividiriam uma quantia menor).

Sabendo-se que o Silvio Santos está sempre ligado no que acontece em programas de auditório dos Estados Unidos, é bem provável que o famoso patrono da SBT tenha copiado o 7 e Meio de versões televisivas do jogo que foram ao ar nos Estados Unidos.

O Dilema dos Prisioneiros é um dos jogos mais exemplares do estudo de economia e de Teoria dos Jogos. É bastante utilizado para se exemplificar o conceito de Equilíbrio de Nash e explorar suas consequências e conceitos. O jogo batizado foi por A. W. Tucker (orientador do Nash) de "Dilema dos Prisioneiros" e foi proposto pelos matemáticos Merrill Flood e Melvin Dresher, que tentaram entender melhor o recém publicado trabalho de John Nash de 1951, que definia um conceito de equilíbrio diferente daquele de maximin/minimax estipulado por Von Neumann e Morgenstern no livro que lançou os fundamentos da área de teoria dos jogos (Theory of Games and Economic Behaviour). O Dilema dos Prisioneiros pode ser definido de diversas formas, uma das mais interessantes descrições que encontrei sobre o jogo foi a que está presente no documentário The Trap Ep.2 (documentário crítico da BBC bastante interessante sobre Teoria dos Jogos, Economia, Política e tudo mais). O texto do documentário expõe o jogo da seguinte forma (tradução livre):

"Um jogo famoso foi desenvolvido na RAND para mostrar que, em qualquer interação, o egoísmo sempre leva para um resultado mais seguro. Ele foi chamado de "Dilema dos Prisioneiros". Há muitas versões, mas todas elas envolvem dois jogadores que devem decidir confiar ou trair um ao outro. Imagine que você roubou o diamante mais valioso do mundo. Você ficaria feliz em vendê-lo a um perigoso gangster, ele propôs encontrá-lo para que você fizesse a troca pelo dinheiro, mas você acha que ele poderá te matar. Então, ao invés disso, você oferece a ele levar o diamante para um lugar remoto (remote field, no original) e escondê-lo. Ao mesmo tempo, ele deverá ir para outro lugar remoto, a milhas de distância, e esconder o dinheiro. Então, você ligará para ele e cada um contará ao outro o lugar do esconderijo. Mas segundos antes de fazer essa ligação você percebe que você pode traí-lo: você fica com o diamante e pode ir pegar o dinheiro (enquanto isso o gangster se dirigiria para uma busca infrutífera em um lugar vazio). Mas no mesmo exato momento, você percebe que ele provavelmente está pensando na mesma coisa que você e que ele pode traí-lo. Não há como você prever como a outra pessoa irá se comportar. Este é o dilema. Mas o que as equações de Nash mostraram é que a escolha racional [deste jogo] é sempre trair a outra pessoa, pois dessa maneira, no pior caso, você ficará com o diamante, e no melhor deles, ficará com o diamante e o dinheiro. Mas se você confiar na outra pessoa você se arriscará a perder tudo pois ela poderá traí-lo, isto foi chamado de payoff do otário."

Não é que hoje vi rapidamente na televisão uma versão revisada do jogo no programa Caldeirão Do Huck. Na versão do Huck o jogo foi chamado de "Quem Fica Com Tudo?". Não vi o programa inteiro, parece que na versão do Huck também haviam mais jogadores, e dois foram selecionados para se aporem frente a frente na final. Pois bem, no programa transmitido de hoje havia duas jogadoras: Dahyanna e Laura. Na etapa final as jogadoras tinham duas opções: "Ficar com Tudo" (F) ou "Dividir" (D). Se ambas decidissem ficar com tudo (declarar F) ninguém ganharia nada. Se apenas uma delas decidisse dividir (declarar D) e a outra decidisse ficar com tudo (declarar F), a pessoa que declara F sozinha leva o maior prêmio e a que escolheu dividir fica com nada. Caso as duas escolham dividir elas ficam com um prêmio menor (asseguram o que elas já haviam conseguido na etapa anterior).

Vamos chamar de 'T' o maior premio e de 'm' o prêmio assegurado pela divisão. Caso os jogadores não cheguem num acordo eles ficam com zero. Suponhamos então que T > m > 0. O Dilema dos Prisioneiros apresentado no programa do Huck é uma forma ainda mais cruel do que sua versão original, pois o jogo não possui estratégia dominante e trair mutualmente não dá garantia nenhuma para nenhum dos jogadores. Vejamos o jogo do programa na sua forma normal em que os payoffs de Dahyanna são apresentados no lado esquerdo do parenteses e o de Laura no lado direito:

--------------------------_______________________
--------------------------|-----|-----Laura-----|
--------------------------|_____|_______________|
--------------------------|-----|-------|-------|
--------------------------|-----|---F---|---D---|
--------------------------|_____|_______|_______|
--------------------------|-----|-------|-------|
--------------------------|--F--|-(0,0)-|-(T,0)-|
---------------Dahyanna---|_____|_______|_______|
--------------------------|-----|-------|-------|
--------------------------|--D--|-(0,T)-|-(m,m)-|
--------------------------|_____|_______|_______|

Ao contrário do Dilema dos Prisioneiros usual, que possui apenas um equilíbrio, o jogo acima possui três equilíbrios de Nash, a saber as ações FF, FD ou DF. Quando estava assistindo o programa formulei rapidamente a matriz para conferir se o resultado do jogo coincidiria com a predição do equilíbrio. Na verdade, eu esperava mesmo que o equilíbrio não se verificasse dado que existem estudos mostrando que as pessoas tendem a cooperar mais (talvez uma certa aversão ao risco se aplicasse sobre as utilidades daqueles payoffs). O que me levantava a dúvida era de que, ao que me parecia, os prêmios de m eram muito menores do que os de T, ou seja, cooperar (Dividir) não dava nenhuma grande vantagem às jogadoras já que T >> m. Ainda assim, o resultado final permanecia um mistério, pois o jogo acima possui três equilíbrios e não apenas um único.

O resultado final de hoje foi o equilíbrio abaixo assinalado:

--------------------------_______________________
--------------------------|-----|-----Laura-----|
--------------------------|_____|_______________|
--------------------------|-----|-------|-------|
--------------------------|-----|---F---|---D---|
--------------------------|_____|_______|_______|
--------------------------|-----|-------|-------|
--------------------------|--F--|-(0,0)-|-(T,0)-|
---------------Dahyanna---|_____|_______|_______|
--------------------------|-----|-------|-------|
--------------------------|--D--|-(0,T)-|-(m,m)-|
--------------------------|_____|_______|_______|

Dahyanna decidiu jogar "Ficar com Tudo" e Laura decidiu na última hora "Dividir". Mais uma diferença em relação ao Dilema dos Prisioneiros original ocorreu no programa do Caldeirão do Huck: no jogo original os jogadores não se comunicam antes de tomarem suas decisões e no programa do Caldeirão isso era estimulado e televisionado. Laura ameaçou Dahyanna dizendo que iria jogar "Ficar com Tudo", mas que poderiam depois, em acordo externo ao que parece, 'rachar' o dinheiro. Ou seja, Laura acrescentou mais uma dimensão ao jogo (veja a forma extensiva abaixo), porém, Dahyanna rechaçou verbalmente a proposta dizendo que não podia confiar na Laura (afinal se Laura jogasse F ela não tinha realmente o que fazer e se tornaria indiferente). O final foi que Laura não manteve sua ameaça e jogou "Dividir" e Dahyanna jogou para ficar com tudo, deu o equilíbrio acima assinalado.

Como o jogo colocou uma comunicação, vamos analisar se a proposta da Laura era realmente crível. Para isso vejamos o jogo na forma extensiva. Laura propôs dividir o prêmio total caso Dahyanna concordasse em Dividir na primeira etapa, e sabemos que os valores de m são muito baixos, então, dividir o prêmio principal é ainda melhor que colaborar na primeira rodada (T/2 > m). No entanto, a proposta de colaboração da Laura não era crível como se diz em Teoria dos Jogos, pois nada poderia garantir à Dahyanna que Laura coloboraria depois do jogo encerrado, ou seja, que dividiria o prêmio maior. Vemos que os equilíbrios não se alteram de maneira nenhuma.

Figura 1 - Versão do Jogo na forma extensiva com alguma, simultâneo na primeira mas com uma proposta de divisão na segunda rodada.



Um melhor comportamento para a Laura seria parecer mais ameaçadora, fazendo Dahyanna de fato acreditar que ela jogaria F em qualquer circunstância. Ainda que isso deixasse Dahyanna indiferente, ganhando zero, isso aumentaria as chances de se pensar que uma cooperação posterior seria possível. Também ajudaria caso Laura tentasse mostrar que não atingir uma cooperação (os payoffs 0,0) é na verdade uma situação pior do que as outras situações, ou tentar mostrar que gostaria de ficar no (0,0) só para ver a amargura da adversária. Isso envolveria jogar com a subjetividade do outro e com a própria, sendo que os payoffs se tornariam mais subjetivos.

Finalmente, não dá pra prever muito o que vai acontecer nos jogos seguintes do "Quem Fica com Tudo?" isso porque existem três equilíbrios diferentes. Outro ponto interessante é que as pessoas podem aprender assistindo aos outros programas, se o aprendizado ocorrer, o equilíbrio FF pode se tornar mais comum. Porém, com o tempo, se FF é bastante comum, os jogadores podem aprender sobre isso e atingir um equilíbrio DD, mas se isso se tornar comum, desviar pode se tornar uma vantagem, enfim, uma série de considerações de jogos repedidos com jogadores diferentes pode acontecer aqui e a coisa ficar mais complexa.

P.S.: Em breve volto aqui para falar do IWGTS 2014 do qual participei como ouvinte nessa semana que se encerrou. O blog Prosa Econômica já postou sobre isso em um material com excelentes fotos.

domingo, 13 de julho de 2014

A Microeconomia dos Álbuns de Figurinhas da Copa (e outras curiosidades da copa)

Olá caros leitores, quanto tempo! Pois bem, hoje é o dia da grande final da copa do mundo de futebol de 2014 (e também o dia mundial do Rock). Fora a grande decepção com a nossa seleção, a copa esteve boa, bons jogos e uma excepcional média de gols (veja dados atualizados abaixo). Não tenho nenhum palpite forte para o jogo de hoje, penso que a Alemanha tem o melhor conjunto, mas a Argentina pode decidir em um pequeno lance e se sagrar campeã, e ninguém poderia dizer que isso seria desmerecido. Pois bem, mas meu assunto principal de hoje é outro e não está particularmente associado com o que acontece dentro das quatro linhas, mas sim fora dela, mais precisamente, dentro das páginas dos albúns de cromos da copa.

Para quem quiser saber detalhes da pré-produção, recomendo essa interessante matéria do Jornal Estadão (de onde tirei a excelente figura ao lado, sem autoria publicada).* Ou então essa excelente matéria da The Economist que tirou as ideias da minha cabeça e está em melhor sintonia com o tema deste post.** Eu mesmo não estou colecionando as figurinhas, mas conversando com amigos e ajudando familiares fiquei intrigado com alguns aspectos dessa atividade econômica. O primeiro deles é o quanto é difícil a tarefa de completar o álbum. Os ganhos com a atividade são marginais, pense comigo, começar o álbum é muito fácil, sabendo-se que um pacote com 5 figurinhas nunca tem figurinhas repetidas, com um álbum novinho, todas aquelas figurinhas de jogadores encontraram lugar e ficamos felizes com o desenvolvimento da tarefa. Porém, a medida que completamos mais e mais o álbum, aparecem cada vez mais figurinhas, e a repetição se torna inevitável e a troca desesperadoramente urgente. Ou seja, como toda criança já sabe, fazer um álbum de figurinhas requer um puta networking.

Ora, um economista fica sempre fica admirado com essas possibilidades de troca. Em particular, eu estava intrigado em tentar descrever que tipo de funções pode descrever esse tipo especial de preferências. Minha linha de raciocínio estava em cima do fato, de que após encontrar a carta procurada (digamos que a figurinha do Messi, por exemplo), o colecionador se sente plenamente saciado daquele bem (a tal carta) e tirar o mesmo cromo novamente se torna relativamente um fardo, não acrescentando nenhuma utilidade... a não ser, é claro, a não ser que essa carta tenha utilidade pela troca. Então, uma carta que já se tem se torna desejada apenas pelo fato de se poder trocá-la por cromos que ainda não se possui. Isso é evidente, mas voltaremos mais a isso adiante, antes vamos tentar entender um pouco a matemática do problema.

Vejamos, suponha, por simplificação, um álbum com apenas 10 figurinhas para completar: A, B, ... , J. Uma pergunta que se pode fazer é: Qual o número mínimo de pacotes é necessário comprar para completar o álbum?

- Sabendo-se que cada pacote possui 5 figurinhas é fácil concluir que com sorte dois pacotes seriam suficientes. Um pacote com A, B, C, D, E e outro com F, G, H, I, J. Ou qualquer dois pacotes com uma permutação entre estes dois primeiros.

Porém a situação acima só ocorre com algum golpe de sorte, pois, nesse caso, existem 252 pacotinhos (sem figurinhas repetidas em cada) possíveis de serem obtidos (10!/5!*(10-5)!). O primeiro que se tira é sempre certo, chance de 100% de se encontrar lugar para todas as figurinhas. O segundo pacote deve ser único para completar o álbum, por exemplo, caso você tenha tirado as figurinhas B, D, F, G, I, o único pacote que o permitirá completar o álbum na segunda tentativa é o A, C, E, H, J. Ou seja, sua chance de completar na segunda chande é de 1/251, ou seja, 0,4%. Porém, com apenas 5 pacotes a pessoa pode ter mais de 50% de completar o álbum nesse caso, e comprando 10 pacotes a chance de completar o álbum é de 99%.

Porém, o álbum real da Copa possui 640 figurinhas! Nesse caso, caso um jogador queira completar o álbum sozinho, sem ajuda das trocas, terá de comprar, em média, 873 pacotes, ou seja gastar R$ 873,00 para completar o álbum sozinho ou R$ 1361,02 para ter 99% de chance de completar o álbum. Conta parecida com aquela dos matemáticos da revista The Economist (coloquei minhas rotinas do R nos comentários).

Agora passemos para um raciocínio mais microeconômico sobre as trocas. Para facilitar esse raciocínio imagine um álbum em que objetivo seja obter 2 figurinhas X e 2 figurinhas Y, ou seja, completar XX e YY. Suponha ainda que os pacotes venham com 4 unidades, podendo ser repetidas de qualquer maneira. Sendo assim, suponha que o colecionador compre um pacote com 4 de X (XXXX) e o colecionador tirou um pacote com uma figurinha de X e 3 de Y (XYYY).

Essa economia tem 5 Xs quando precisaria de apenas de 4 para esgotar o mercado. Em contrapartida possui apenas 3 Ys quando na verdade precisaria de 4 para satisfazer o mercado. Assim trocas que esgotem o mercado não são possíveis. Ainda assim, o primeiro colecionador pode trocar um de seus X excedentes por um dos Y excedentes do seu colega. O colecionador 2 conseguirá satisfazer seu álbum (XXYY) enquanto que o 1 ficará um pouco melhor com (XXXY) ao invés da situação anterior. Há um excedente de uma figura X nesse mercado.

Na figura abaixo apresento uma caixa de Edgeworth transformada para mostrar essa situação inicial e após as trocas. As linhas retas em preto assinalam o ponto de saciedade para cada colecionador (que é possuir dois de cada um dos cromos):

Figura 1 - Caixa de Edgeworth simplificada com a situação Inicial antes das trocas.
Após o colecionador 1 trocar uma de suas X por uma Y do colecionador 2, a situação se torna a abaixo exemplificada. O colecionador 2 atinge seu ponto de saciedade e o colecionador 1 fica um pouco melhor do que a situação inicial.*** Além do ponto desenhado abaixo precisamos supor que não existem mais curvas de indiferença para o colecionador 2. O colecionador 1 ainda deseja melhorar sua situação, mas ele não pode mais fazer trocas com 2, que já está esgotado.

Figura 2 - Caixa de Edgeworth simplificada com a situação após as trocas.
O colecionador 1 tem de encontrar algum outro colecionador com 'XYYY', por exemplo, para trocar e assim completar o mercado. Ou seja, quanto mais participantes nesse mercado, melhor para quem está com um álbum de figurinhas desbalanceado como o colecionador 1. Um modelo mais complexo para as trocas de figurinhas da copa seria o que acrescentasse um custo de se encontrar novos colecionadores, isso colocaria algum 'atrito' nas trocas. E ajudaria a explicar ainda mais porque é tão difícil completar um álbum e ainda mostraria a importância dos custos de transação, que muitas das vezes o mercado realizar uma alocação perfeita.

E agora uma informação de utilidade pública. A copa de 2014 teve uma média de 2,67 gols por partida (não contando pênaltis). O jogo do Brasil x Alemanha, que teve 8 gols e possui um impacto significativo no resultado final (elevando a média em 0,08), ou seja, sem essa partida não igualaríamos a média de gols por partida de 1998. A copa do Brasil reverteu uma tendência declinante vista desde 94, Vamos acompanhar para ver se a média de gols no futebol continua apresentando a oscilação em torno da média de 2,59 das últimas 13 edições. O gráfico abaixo foi atualizado de acordo com os dados da FIFA que baixei em posts anteriores (aqui e aqui) e minhas anotações na última copa.****


Outra informação de utilidade pública para você que ainda não completou o álbum, ainda é possível completá-lo. A venda de figurinhas continua até setembro, e a Panini coloca em algum lugar do álbum que é possível comprar diretamente por correio figurinhas faltantes. Bom, é isso, abraços e boa Final a todos.

Ah sim! Uma última curiosidade: estive intrigado por saber porque o brasão oficial da seleção inglesa não aparecia no álbum de figurinhas, assim como os jogadores não apareciam vestindo a camisa oficial da seleção. Eis aqui o motivo disso.

* Estou sem meus aparatos para fazer um desenho autoral, assim que for possível, tento upar um desenho meu :-)
** Devo a recomendação desta matéria ao amigo Alan André Borges da Costa, com o qual comentei minhas aflições microeconômicas com o tema =D
*** Outra troca possível, que deixaria o colecionador 2 indiferente pela função que representei, seria o colecionador 1 dar uma de suas cartas X, mas ganhar duas cartas Y em troca do colecionador 2. Isso faria o colecionador completar o álbum e o 2 ficar ainda indiferente. Porém podemos imaginar que 2 não aceitará essa troca (pode-se especificar uma função de utilidade um pouco diferente, mais "apertada"). Repare que não precisamos igualar as TMS nesse exercício dado que estamos interessado nos pontos de saciedade.
**** Dados atualizados após a final.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Novos economistas brasileiros pensam diferente e se descolam da antiga geração

Matéria de hoje da Folha de São Paulo me motivou a fazer esse post e a passá-lo na frente de outros que intenciono fazer. A matéria fala de economistas de uma nova geração e tenta rastrear para que lado caminha uma nova geração de economistas em suas pesquisas e preocupações teórico e práticas, bem como suas preocupações em saber como a economia afeta o dia a dia dos cidadãos. 

Entre os economistas mais novos essa divisão sempre foi nítida e ela tem explicações históricas e culturais. Do ponto de vista histórico, a alta inflação que existia no Brasil de longa data e suas manifestações mais agudas no final dos anos 80 e começo dos 90 foi um divisor de águas. Quase todos os economistas formados no período inflacionário do Brasil possuem uma formação de macroeconomistas, muitos deles se preocupam com os efeitos, com os sintômas, tais como inflação, câmbio, nível de juros, salários, preços das commodities, níveis de renda, etc, mas não se preocupam tanto com as causas, em saber quais as causas subjacentes em um plano mais profundo do por quê o nível de preços no Brasil é elevado e geralmente distorcido. Veja uma entevista do Delfim Netto (um dos representantes de uma bem antiga geração) no Correio Braziliense para entender do que estou falando. É claro, existem macroeconomistas não só preocupados com efeitos, mas sim com as causas tais como: produtividade, instituições, ambiente de negócios, educação, saúde, relação público x privado, aspectos demográficos, serviços públicos e várias outros temas e variáveis que afetam diretamente a qualidade de vida do país e dos cidadãos, mas também influenciam nas engrenagens do desenvolvimento futuro.


Ainda hoje o Brasil possui muitos macroeconomistas, o que é natural, dado ainda as preocupações do país. Economistas formados antes do início dos anos 90 no Brasil eram quase que exclusivamente macroeconomistas, os microeconomistas eram espécies raras no mercado e nos departamentos de economia das universidades. No entanto os macroeconomistas mais recentes possuem melhor preocupação com fundamentos microeconômicos e existe maior consenso sobre o que se deve ou não fazer para existir um bom desenvolvimento econômico do país. Com a mudança geral do quadro econômico, muitos economistas passaram para outros interesses não tão vinculados ao nosso quadro de "apagar incêndios", que basicamente fazia com que o grosso dos economistas do mercado fossem contratados para ajudar nos cálculos de correções monetárias. O número de economistas voltado para o interesse em microeconomia, economistas preocupados com a decisão dos agentes e com as formas de produção e organização do mercado, aumentou (ainda são minoria, mas são hoje bem mais frequentes). Uma explicação rápida é de que era praticamente impossível ser microeconomista nos tempos inflacionários, dado que nem os preços relativos se conseguia perceber com muita facilidade.

Sobre a influência do lado cultural, existe também uma importância considerável do estudo no exterior. Os alunos que foram para exterior, saiam de um país de um quadro macroeconômico caótico e iam encontrar lá fora outras preocupações (preocupações estas, digamos, bem mais avançadas do que consertar a bagunça macroeconômica que havia por aqui). Lá os alunos se deparavam com evidências do mundo inteiro, entendiam como variáveis chaves para o progresso econômico (tais como educação, tema que estudo) eram relevantes para o longo prazo, e além disso, tinham contato com pesquisa científica de ponta. Quando voltavam a atuar no Brasil esses alunos traziam isso na sua bagagem, e à medida que íamos ganhando um quadro econômico cada vez mais "normal", os regressos de excelentes cursos de pós graduação no exterior iam mudando a cara das preocupações acadêmicas por aqui no Brasil.

No meu caso, eu me identifico mais com essa nova geração de economistas. Apesar de ter escolhido economia por me interessar pela economia que aparece nos jornais e de uma maneira geral pelo desenvolvimento histórico e econômico do país, dentro da economia eu conheci os fundamentos micro e passei a me dedicar cada vez mais ao assunto. Minhas preocupações com o bem estar e desenvolvimento ainda influenciam no tema principal da educação que escolhi como base, mas dentro disso foi possível entender vários componentes econômicos importantes da produção, dos mercados, dos arranjos alocativos e de como agregar eficiência em nossas atividades humanas. No doutorado eu fiz demografia e pude me ater a alguns comportamentos micro subjacentes. Estudei como as pessoas decidem se casar, ter filhos e o que impacta em sua longevidade, onde elas escolhem morar e por quê, componentes importantes na vida de qualquer pessoa. Nisso, minha tese, como tema geral, se dedicou a estudar como o poder público organiza onde os estudantes estudam e como isso pode impactar na vida dos alunos em um montante expressivo. Para isso foi preciso estudar demografia, matemática, econometria, gestão pública, teoria dos jogos, programação e diversos outros assuntos de interesse que precisaram ser combinados interdisciplinarmente.

Existe ainda um grande caminho para melhoras, nossa macroeconomia ainda reflete resquícios desses antigos anos, o país possui problemas econômicos e sociais próprios, mas de parte existe toda uma geração nova de economistas com boa base que precisa ser escutada. Alguns representantes da antiga geração fazem a ponte com esta nova que ingressou no mercado nos últimos 10 anos, e entre os que ingressam agora. A academia brasileira de economia ainda tem de se desprender de velhas amarras (inclusive no que se refere ao ensino). Para mencionar apenas algumas mais evidentes:

  1. Livrar se do sectarismo, opiniões divergentes são naturais em qualquer ciência, mas isso não deve tornar o conhecimento científico encastelado; 
  2. Quebrar a resistência ao inglês, o inglês é o mais perto que temos de uma língua franca mundial, alunos de graduação que resistem ler inglês estão perdendo tempo em relações aos demais e ficando atrás em relação a todo mundo. O mesmo serve para escrever em inglês. Mesmo que o texto seja voltado para interesses acadêmicos e econômicos brasileiros, deve se estimular sua escrita em inglês, pois assim existe maior possibilidade de inserção e leitura por gente interessada no mundo inteiro. Repositórios de sites nacionais de divulgação e pesquisa, devem se preocupar em ter mais material em inglês divulgado, isso é uma das coisas que estrangeiros mais reclamam no Brasil: muitas páginas não possuem opção para o inglês (algumas delas páginas oficiais do governo), como ter contribuição do restante do mundo e querer impactar no que se faz lá fora se não nos fazemos ouvir? Aliás, eu não deveria esta aqui escrevendo em inglês?! :-); 
  3. Transparência, a academia brasileira ainda é muito pouco transparente. Algumas coisas relacionadas a isso envolvem métodos arcaicos que se repetem por pura tradição. Um exemplo: minha tese possui códigos e dados importantes, talvez, tão importantes quanto o texto. E no entanto, a única coisa da tese que os doutorados no Brasil procuram guardar é o seu texto. Pois bem, ter apenas o texto muitas vezes não serve de nada se não puder ser verificado o que o autor falou, então, os centros acadêmicos de pós-graduação no Brasil deveriam ter um repositório dos bancos de dados utilizados e das rotinas. O mesmo vale para as revistas acadêmicas produzidas por aqui, em muitas delas o enfoque é somente no texto quando em alguns trabalhos, mais de 80% do que e relevante está nos dados e nos procedimentos de pesquisa ou computacionais.
  4. Focar mais nas evidências e menos nas pessoas por trás das evidências. Em economia essa é uma tarefa difícil. No meio econômico costuma se dar muito peso a quem disse uma coisa. Imagino que isso ocorre por que em economia não raro se encontram evidências conflitantes e por isso, ter informações sobre o pesquisador que está relatando uma evidência é uma maneira de tentar verificar seu peso, veracidade e rigorosidade. Mas isso pode ser ilusório, primeiro pode conduzir a um caminho "the winner takes it all", ou seja, se dá muita atenção a quem já possui muita, e pode relevar evidências importantes de um pesquisador menos conhecido. Em segundo lugar, isso pode acomodar os medalhões, pois como eles não precisam ser tão rigorosos no que dizem e já são ouvidos, então, não há muito incentivo no esforço deles estarem mais baseados em evidências.
Há ainda um longo caminho para melhorar o ensino e a divulgação da economia na sociedade brasileira. Uma coisa em comum na nova geração é que ela está mais afeita em aplicar economia em temas diversos e isso tem a vantagem de fazer com que o campo do conhecimento econômico esteja mais próximo do dia a dia das pessoas, e não presente apenas no enfadonho noticiário econômico. Por isso é muito interessante dar um ar mais novo e renovado ao debate econômico no Brasil, os blogs fazem esse papel melhor do que os jornais, que se concentram em vacas sagradas de uma antiga economia brasileira. Sem querer desmerecer o papel dos economistas predecessores, o ideal é que as diferentes gerações de economistas aprendam a conviver umas com as outras e que os economistas de cada geração e de diversas formações saibam compartilhar conhecimentos e percepções, e para que isso aconteça, é importante dar um peso equilibrado para esses diferentes representantes do estudo da economia.