sexta-feira, 30 de julho de 2010

Como tornar a Copa do mundo mais disputada

Você sabe quantos países já ganharam a copa? Não é muito difícil fazer a conta, então, vamos lá:


Brasil______|*****

Itália______|****
Alemanha____|***
Argentina___|**

Uruguai_____|**
Espanha_____|*
França______|*
Inglaterra__|*

Apenas oito países são bons de bola,
ou pelo menos é isso que demonstram os títulos mundiais. Nada menos do que 208 países são filiados à Fifa, isso é mais do que o número de países filiados à ONU. Menos de 4% desses países possui algum título. Considerando-se apenas os países que já participaram alguma vez da copa, temos 77 países, dentre esses, estão alguns que nunca mais apareceram e alguns que nem mais existem, outros se fragmentaram e viraram dois. Mas vamos manter esse número de 77 para fazer as contas de desigualdade dos títulos.

De acordo com a tabela abaixo, 90% dos países não possuem nenhum título, 5% possui 16% dos títulos e outros 5% detém 84% dos canecos.

Tabela de Porcentual de países, N° de títulos e fração dos títulos conquistados.

Porque a distribuição de títulos é tão desigual?

Juntos, Brasil e Itália levaram quase metade das copas do Mundo realizadas. A explicação mais rápida é que esses países são bons de futebol. Mas não é só isso. Uma copa do mundo é um fenomeno realmente desigual, isso é uma característica das competições desportivas. Participam vários competidores, geralmente todos bons, porém leva o troféu apenas um. Uma comparação mais completa para o futebol entre países deve considerar também outros torneios mundiais tais como as olimpíadas, copas das confederações e as ligas continentais. Para agregá-las seria preciso ponderar-lhes o valor. Quantas olimpíadas valem uma copa? Por causa disso, é um pouco mais simples, pela disponibilidade, pegarmos os dados apenas da copa.

O índice de Gini para os trofeus em copas é de 0,947, o que é altíssimo, dado que o valor máximo de desigualdade é 1,0. Tal desigualdade máxima só seria possível se apenas um país tivesse ganho todas as copas.


Há mais um motivo para a desigualdade nos resultados da copa e nos resultados esportivos em geral: a prática dos cabeças-de-chave nos grupos.* Um dos intuitos da formação de vários grupos com cabeças-de-chave é torná-los mais equilibrados. Porém, essa é uma prática que favorece muito aos times mais fortes, vou usar um pouco de estatística para argumentar em favor desse ponto:

Imagine o seguinte sorteio aleatório para a copa do Mundo de 2010:

Os quatro primeiros grupos:

Grupo A_______Grupo B ______Grupo C ________Grupo D

Itália _______Argélia ______Nova Zelândia __Eua

Espanha ______Eslovênia ____Sérvia _________Austrália

Gana _________Honduras _____Holanda
_________Brasil
Argentina ____Dinamarca ____México _________Camarões



Os outros quatro grupos:

Grupo E ______Grupo F ______Grupo G ________Grupo H


Uruguay ______Chile ________Costa do Marfim Coréia do Norte

França _______Portugal _____Eslováquia _____Japão

África do Sul Paraguay _____Grécia__________Suíça

Inglaterra ___Coréia do Sul Alemanha _______Nigéria



Repare como há muitos grupos com países mais equilibrados entre si, assim como é possível reparar os grupos da "morte" A e E, que teriam uma probabilidade muito menor de ocorrer na configuração atual de sorteio. Para prosseguirmos com o eventual ganhador, temos que atribuir probabilidades aos times. A probabilidade nos jogos não é igual para todos.

As probabilidades usadas foram:

Brasil_____|0.20
Itália_____|0.16
Alemanha___|0.12

Argentina__|0.08
Uruguay____|0.08
Espanha____|0.04
França_____|0.04
Inglaterra_|0.04

Para criar a matriz de probabilidade usei vitórias dos torneios em copas passadas. (incluíndo a Espanha como campeã). Os times que não ganharam nenhuma copa tiveram todos probabilidade igual a 1%. Essa aplicação de probabilidades pode não ser muito adequada, já que o futebol tem muitas nuances: Holanda com a mesma chance de Honduras? E a Itália que nessa última copa não jogou nada?! O Uruguay que ganhou duas copas há muito tempo? Bem, esse modelo é ilustrativo, não pretende ser completo. Se você tiver um modelo melhor para as probabilidades de cada time pode aplicá-lo, ao final desse exercício eu forneço o código gerador e você pode trocar as probabilidades se quiser.

Todos os demais 24 países sem títulos ficaram com 1% de probabilidade cada um. Sendo assim, simulando um resultado, teriamos classificados para as oitavas:

_____[,1] ___________[,2] _______[,3] _____[,4]
[1,] "Sérvia"_______ "Uruguay" __"Itália" _"Nigéria"
[2,] "Coréia do Sul"_"Eslovênia" "México" _"Austrália"


_____[,5] ___________[,6] _______[,7] _____[,8]
[1,]_"Grécia" _______"França" ___"Holanda" "Nova Zelândia"
[2,]
_"Brasil" _______"Alemanha" _"Espanha" "Argentina"

Vou queimar etapas e não colocar todas as fases aqui, só acrescento o detalhe de que na rotina, depois das quartas-de-finais, todos os times que lá chegaram tem igual probabilidade de vitória.

Ao final do primeiro processo temos que o vencedor da copa foi a França.

Pois bem, a graça dessa proposta está em simular várias copas e ver o que acontece com a distribuição de vencedores e compará-la com a atual. Depois de fazermos esses resultados mais 18 vezes temos:

Itália______|***
Alemanha____|**
Argentina___|**

França______|**
Uruguai_____|**
Brasil______|*
Camarões____|*
Coréia d Sul|*

Dinamarca___|*
Eslovênia___|*
Grécia______|*

Holanda_____|*
Paraguay____|*


Os mesmos 19 títulos, porém agora mais distribuidos, simplesmente pela introdução de duas mudanças simples: A primeira delas é a completa aleatorização dos times selecionados para os grupos. A outra é uma suposição um pouco mais forte de que os times após as quartas de finais tem todos as mesmas probabilidades. Isso se baseia no fato de que mesmo times pequenos crescem muito na fase do mata-mata. Porém, essa suposição pode ser forte demais.

Nessa lista aí de cima há uma série de países inéditos, caso você ache que algum deles (a Dinamarca, por exemplo) é i
nverossímil, você pode trocar pelo inédito de maior simpatia. O fato é que o sorteio aleatório de grupos insere muito mais chances para o surgimento de campeões inéditos.

Caso eu mantivesse as probabilidades até a final (sem igualar probabilidades a partir das quartas), os inéditos apareceriam menos, ainda assim, seriam mais prováveis do que na montagem atual das copas. A idéia por trás é que no sorteio aleatório você deixa de preservar os cabeças-de-chave. No sistema atual o que ocorre é uma espécie de "preservação" dos cabeças-de-chave. Não é garantido que os cabeças passarão para a próxima fase, como se viu que aconteceu com Itália e França nessa última copa. Mas fica claro que a eles se evita de pegar um grupo como "Alemanha", "Argentina", "Itália" e "Brasil". Já pensou?! Em um grupo sangrento desses só passam dois para a próxima fase, antecipa-se a disputa.

Os leitores não precisam ficar preocupados com esses grupos, a probabilidade de ocorrência de um grupo como esse descrito é menor que 0,0001%.


O Brasil na minha simulação teve muita má sorte. No caso, com as probabilidades aplicadas, o Brasil era tão bom candidato a encabeçar a lista quanto a Itália, só não teve sorte nas sequências. Em todos as copas que foram simuladas, o país estava nas oitavas e em quase todas era promovido às quartas, porém, pelo esquema de simulação, a vantagem probabilística do Brasil sumia a partir daí e o país não teve sorte. Repare tembém que os campeões Inglaterra e Espanha não aparecem. Outra coisa a se observar é que a simulação seria mais completa caso tivessemos os países que ficaram de fora em 2010.

Por fim, o principal desse exercício não é mostrar quem ficou com um título, dois ou três, mas sim a comparação dos histogramas aí de baixo:
Vemos que na simulação a distribuição se concentra bem mais perto dos times com apenas um título. O índice de Gini cai para um pouco menor que 0,9. Ainda alto pois estamos considerando todos os países que foram alguma vez para a copa.


Essa sugestão de grupos completamente aleatoriamente escolhidos insere uma opção ao mundo do futebol e ainda uma interpretação sobre o esporte: Seria válido termos grupos totalmente aleatórios e desconsiderar o esforço que os times fizeram para ficar em primeiro lugar de suas ligas? Em verdade, quando se faz a mudança aqui proposta, intui-se que os países classificados em cada continente tem o mesmo e igual direito de disputar a copa, independente de ter ficado em primeiro, em quarto ou quinto (na repescagem). Tudo depende das intenções de como conduzir uma competição no esporte. Em um exemplo mais radical, na fórmula 1, seria a mesma coisa que não contar as marcações de tempo para o grid e ter todos os concorrentes largando de forma alinhada.

Conhecendo a fórmula 1, isso não resolveria muita coisa para as pequenas equipes que continuariam chegando atrás. No entanto, no caso do futebol e de outros esportes coletivos pode ser uma boa idéia. Uma idéia parecida com algo que já ocorre nas eliminatórias da natação, nesse esporte as eliminatórias vão cortando os candidatos mais lentos, nem por isso, ser o primeiro (ou até bater record) nas eliminatórias dá direito a largar na frente na prova final.


É isso, para quem quiser jogar com suas próprias simulações basta baixar o "R", freeware para estatística, e selecionar a rotina que vou deixar nos comentários deste post. Uma observação: na parte das oitavas eu fiz as simulações de jogos uma a uma jogando as probabilidades descritas, isso foi feito para cada dupla de países classificado na segunda fase. Exemplo, Brasil x Inglaterra:

>sample(c("Brasil","Inglaterra"), 1, prob=c(0.20,0.04))

# Probabilidade de 20% para o Brasil e 4% para Inglaterra.

A partir das quartas, as probabilidades são iguais para todos os times. Divirtam-se!

*
A copa nem sempre contou com grupos organizados da forma que temos hoje.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Brasil Eficiente

Duas notas rápidas:

1ª Nota:

Esse blog apóia o Movimento Brasil Eficiente (MBE). Trata-se de um movimento apartidário para dar maior racionalidade à política fiscal Brasileira. Os pontos divulgados são baseados em critérios técnicos presentes em ampla discussão com especialistas do tema de macroeconomia e política fiscal no Brasil, dentre eles se destacam Delfim Neto, Paulo Rabelo de Castro, Raul Velloso, Yoshiaki Nakano e Roberto Teixeira da Costa. Além de contribuições de especialistas de demais áreas e entidades da indústria e do comércio.

Pude ler o pequeno sumário de diagnóstico do projeto. Em minha avaliação o quadro é coerente, as propostas são factíveis. Em termos de texto, creio que seria interessante aparar algumas arestas de linguagem retórica e corrigir o português e mencionar mais fontes, mas o que está lá proposto (cortes de 1% da carga tributária a cada ano) está bem fundamentado. É claro que o diabo está em como fazer os tais cortes propostos. Porém, o Imposto do Valor Agregado (IVA) é um bom princípio, lembro que a idéia não é nova e até hoje não se conseguiu conscientizar a sociedade de que ela é necessária. Quem sabe dessa vez a proposta não decola. Um tópico também importante é incluir uma reforma de transparência tributária, um IVA descriminado para os produtores intermediários e para o consumidor é interessante. Grande parte de nossa elevada carga só é "passavel" porque o Brasileiro não sabe o quê de imposto está exatamente pagando.

Bom, não discutirei os critérios mais técnicos aqui. Em resumo concluo que as reformas fiscais do período dos anos 90 e início dos anos 2000, não foram suficientes. Não podem parar na LRF. O Movimento Brasil Eficiente nos aponta uma boa direção para continuarmos a melhoria para o crescimento do país.

(clique no Banner para chegar ao site)
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2ª Nota:

A Fundação Getúlio Vargas soltou estudo sobre o tamanho da informalidade no Brasil, confiram reportagem do Estadão sobre a pesquisa. Diferentemente do Estudo da McKinsey & Co, relatado nesse blog, que media a economia informal brasileira em 40% do PIB, o estudo da FGV aponta que o crescimento econômico leva a uma tendência de queda. E em 2009 esse índice é de 18,4%.

Bom ficam aí os dados. A pesquisa da FGV se baseia na mão de obra informal de acordo com o PNAD e outras proxys como crédito e pagamento de tributos. Tenho intuição de que o patamar da informalidade brasileira é um pouco maior do que o do estudo da FGV, embora a tendência deva ser que de queda. É preciso lembrar que há componentes da informalidade que se reduzem com o crescimento da renda tais como emprego informal, crianção de negócios na informalidade e alguns outros fatores. Porém, há também componentes que aumentam com o aumento da demanda, compras de produtos piratas, mercadorias contrabandeadas entre outros produtos e serviços. Alguns desses bens são inferiores (tem parcela diminuída a medida que cresce a renda dos consumidores), porém existe um ponto de turnover da curva de Engel para esses bens passarem a ser inferiores.

Exemplifico: um dvd pirata pode ser considerado inferior em relação ao produto legal, então a medida que a renda aumenta o consumo de dvd-pirata cai em benefício do dvd-legal. Porém existe um ponto para isso acontecer (o turnover). Imagine uma pessoa que antes do crescimento econômico não tinha dinheiro nem para os dvds piratas, com o aumento da atividade essa pessoa passa a comprar mais desses dvd's e não menos, só apartir de um ponto de maior renda ela pode trocar o pirata pelo legal. Meu ponto é que o Brasil está em vários aspectos antes do turnover.

Esse ponto de virada pode ser tanto menor quanto mais eficiente é o sistema tributário do país. O que liga essa nota com a anterior.

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OBS_1: Curioso por saber se os desenhos do Banner e da cartilha do Brasil Eficiente eram do Ziraldo, fui em busca dos créditos. descobri que os desenhistas são Miguel Mendes e Marco Antônio J. Ferreira do estúdio Megatério. Lá no site eles explicam:

"O Megatério é um estúdio dedicado à comunicação através das histórias em quadrinhos e dos desenhos de humor. Criado por profissionais formados pelo cartunista Ziraldo, o estúdio tem longa experiência com o público infantil.

Apesar da pouca idade, o Menino Maluquinho é o patrono do estúdio."

OBS_2: A cartilha do Brasil eficiente é um resumão.

OBS_3: A partir de hoje o Link do MBE estará aí do lado na páginas de Link. E para quem gosta do aúdio Paulo Rabelo de Castro explica à rádio CBN o que é basicamente a proposta (aqui).

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Calar a Voz do Brasil?


A "Voz do Brasil" possui como abertura a ópera mais famosa de Carlos Gomes (O Guarani). Em anos recentes, a abertura foi trocada por uma releitura menos romântica e mais contemporânea, ficou realmente interessante, remete mesmo às raizes indígenas da obra.*

Tendo em vista o projeto de flexibilização da voz do Brasil, aprovado pelo senado no dia 07 de Julho, comento aqui minha opinião sobre o assunto:

O princípio da voz do Brasil não é liberal nem eficiente do ponto de vista econômico. Vou discutir por partes esses dois pontos.

1. A voz do Brasil possui obrigação de ser veiculada no horário de 19h de Brasília por todas as rádios legalmente registradas do país. Esse princípio data de 70 anos atrás, da Era Vargas, naquela época não havia rádios de grande difusão nacional, muito menos a TV, a comunicação era difícil, assim como era difícil a veiculação das decisões da república. Há 70 anos atrás fazia sentido a transmissão de notícias oficiais por meio de rádio, e tanto melhor que tivessem um horário fixo e uma cobertura ampla. Pois bem, este princípio perdurou ao longo de todos esses anos. Hoje a veiculação obrigatória é no mínimo anacrônica, é uma forma de conseguir um público mais amplo para o programa de noticias oficiais.

Porém, apesar de a retransmissão ser obrigatória, ainda não inventaram um meio da audição ser obrigatória. O fato de a voz do Brasil ser transmitido em todas as rádios não deixa opção para o ouvinte trocar de rádio. Estar sem opção do que ouvir na rádio aberta já não é uma coisa boa, mas isso não significa que não há outras opções para seus ouvidos. A mais simples delas pode ser desligar o rádio no horário do programa. Outra, muito comumente usada nas cidades (eu saio do trabalho na hora da voz e tenho observado o que as pessoas ouvem em seus veículos no horário), é simplesmente colocar os k7-players, cd-players, mp3 players, para tocar músicas de preferência do motorista. Costuma-se apresentar-se como contra-argumento a audiência no interior seja a mais importante para o programa. Não duvido muito de que isso possa ser em parte verdade, já que em muitas áreas de interior o acesso de comunicação é difícil. Mas de outra parte, é um subterfúgio muito fácil dizer que a audiência ocorre no interior em áreas vagamente identificadas.

Um olhar agudo sobre essa justificativa do público rural não se sustenta, é um motivo fraco para manter o princípio ruim da obrigação. Quer dizer então que os 81% cidadãos das cidades não têm escolha para que os 19% de habitantes do meio rural possam ter acesso ao programa?

Existe um arranjo para a voz do Brasil que não impõe a obrigação, ele deriva da simples pergunta a que me fiz um dia:

"Com qual das maneiras a voz do Brasil conseguiria maior público?"
a) Mantendo a obrigação de uma hora em todas as rádios.
b) Veiculando o programa 24h por dia em uma única rádio.

Para responder a essa pergunta podemos medir o tempo de veiculação. Não sei ao certo quantas rádios registradas e ativas possui Belo Horizonte. Mas digamos que haja 50 rádios, registradas e em funcionamento na cidade. O tempo de exposição da opção 'a' ganha 50h de radiação contra 24h da opção 'b'. Então, é bem certo que a opção de obrigação alcance mesmo um maior público. Porém, ela se baseia em um princípio ruim, enquanto que a segunda deixa à escolha do ouvinte o horário de conveniência e o gosto.

Ademais, acrescenta-se que tempo de radiação não é o mesmo que tempo de audição. As 50h de exibição da primeira opção são todas concentradas em um horário de 19 às 20h. Imagine agora que 20 pessoas não gostem de ouvir a rádio (mas a aturam por uma hora) e que outras 10 pessoas gostam muito de ouvir o programa e desejariam ouví-lo por 3 horas se pudessem, mas têm de se contentar com apenas uma hora no formato atual.

Nesse esquema acima, a opção 'a' oferece 30 pessoas/hora de audiência (20 que não gostam + 10 pessoas que gostam). Porém, observe que a opção 'b' oferece as mesmas 30 pessoas/hora, porém só entre aquelas pessoas que realmente gostam do programa (3h*10 pessoas, supondo que as demais estão ouvindo outras rádios).

Se tantas pessoas gostam da voz do Brasil como alguns deputados e senadores veiculam, eles não deveriam temer a opção 'b'. Aliás, se é realmente assim, a voz do Brasil pode ter uma audiência maior no método 'b' do que no método 'a', se supusermos que aquelas 20 pessoas que não gostam podem optar por desligar a rádio. Há mais alguns pontos que tornam a 'b' mais vantajosa e serão abordados no ponto 2 a seguir.

2. A voz do Brasil não é eficiente do ponto de vista econômico. Eficiência quer dizer gerar a maior riqueza possível com mínimo recursos factível, geralmente isso está em linha com a preferência dos cidadãos. A voz do Brasil ocupa o horário nobre das rádios. Hoje em dia as rádios estão mais associadas ao ouvinte de automóvel e esse tempo de audição está associado ao tempo de trânsito (é claro que diferentes rádios possuem diferentes públicos, mas em geral os horários mais bem pagos estão entre 7 e 9 da manhã, 11 a 13 no horário de almoço e entre 17:30 até 21 horas da noite). Pois bem, a voz do Brasil não gera dinheiro e como é uma empresa pública sem fins lucrativos, se mantém com dinheiro do contribuinte. Além disso não enfrenta competição pois possui horário cativo. Ou seja, a EBC não sofre a pressão da concorrência para melhorar seus serviços.

Para ver como o país mudou, há cerca de 20 anos o Brasil não possuia rádios destinadas à veiculação de notícias. Eu era bem novo na época em que começaram as primeiros rádios nesse sentido. Minha primeira impressão seria de que essas rádios de notícias full time não dariam certo, pois à comparação que eu tinha na época era a Voz do Brasil. Hoje existem várias rádios que veiculam apenas notícias, mostrando que a iniciativa deu muito certo. Ao se comparar uma mesma notícia veiculada pela EBC e uma rádio aberta, fica clara a diferença de linguagem entre as duas. Como a primeira não sofre concorrência, mesmo que exista preocupação com a qualidade, as pressões para melhoria do serviço são mais fracas, pois não estão ligadas à sua rentabilidade, em outros casos ela tem de passar uma notícia oficial, o que na grande maioria dos casos não é a notícia completa. Para as empresas de capital privado, ou a rádio faz a notícia ser crível e interessante ou ela perde o seu público.

No mais, acho o projeto de flexibilização muito ruim, ele não resolve o problema por completo. Para mim, o mais correto é ter uma rádio veiculando as notícias do legislativo, do judiciário e executivo o dia inteiro, mais ou menos nos moldes da já existentes TV câmara e TV senado. Assim o cidadão decidiria se quer ouvir a rádio na hora em que quiser. Para desonerar o bolso do contribuinte, essa rádio poderia ser mantida com o dinheiro público tal como já é feito, mas poderia ser também aberta ao capital dos anunciantes (pode ter um código de ética para os anúncios veiculados). É muito importante o aporte variável de recursos, é ele que dá o tônus da audiência. Dessa maneira a rádio não impigiria um horário obrigatório à população, passaria pelos benefícios da concorrência e verteria renda do horário para ela e as demais rádios (já que as outras não estão mais presas à veiculação obrigatória).

E quem sabe dessa forma a Voz do Brasil não tivesse maior sintonia e apreço do público.**


* A ópera do Guarani foi baseada na obra de mesmo nome escrita por José de Alencar. Uma das críticas ao romance de José de Alencar é que que ele não seria autêntico, importava um heroísmo de cavalaria e o transplantava para o Brasil, desse modo, o Índio Guarani agiria mais próximo de uma conduta ética e apaixonada de um europeu do que de acordo com uma ética realmente indígena. Sobre à obra hoje veiculada, de acordo com o site da EBC - Empresa Brasileira de Comunicação: "“O Guarani” foi remixado ao ritmo de forró, samba, choro, bossa-nova, capoeira, moda de viola e até techno. E o tradicional “Em Brasília, dezenove horas” foi substituído por “Sete da noite, em Brasília”, sinal da opção pela linguagem mais simples, usual e em tom de diálogo."

** Na data de hoje, 24/07/2010, a comunidade de pessoas do orkut que dizem odiar a voz do Brasil conta com 62.560 pessoas. A comunidade de pessoas que gostam do programa tem 1.072 membros. Pesquisas de internet são péssimas pois são pouco representativas, valem mais à título de curiosidade.

*** Mesmo assim, faço uma pesquisa para saber da opinão dos leitores do blog.

domingo, 18 de julho de 2010

Onde amarrar o seu burrico?


Acho engraçados os fatos econômicos do dia a dia que ocorrem e que poucos se dão conta ou parecem não perceber que são consequências econômicas naturais das leis que tentam conduzir os indivíduos para determinados fins, mas que acabam tendo consequências paralelas curiosas.

Hoje li uma matéria da Folha de S. Paulo que enumerou o crescimento de motos e veículos nas cidades brasileiras, assim como levantou os municípios que têm mais carros por habitantes, a maioria dos pequenos municípios têm mais motos do que carros. O curioso é que os três primeiros lugares foram três municípios nanicos: Santa Bárbara do Monte Verde-MG, Rio Preto-MG e Bom Jesus do Norte-ES. Nenhum desses municípios tem concessionária de veículos ou possui alguma fábrica. Então, o que explica cada um deles ter, respectivamente, 187, 135 e 122 carros por habitantes?

A reportagem bem observou que estão todos perto da divisa com o Rio de Janeiro e possuem agência do DETRAN. Os proprietários fluminenses evitam pagar mais caro pelo emplacamento e IPVA registrando seus veículos em Minas e no Espírito Santo, onde essas taxas são mais baratas e não se paga pelo emplacamento. As pessoas reagem muito bem a esses incentivos.

Há outros exemplos curiosos dessa perseguição dos impostos aos cidadãos e os jeitinhos que as pessoas dão para escapar deles em todo o mundo. Ainda em Minas Gerais, o município de Manuaçu procurava uma maneira de cobrar IPTU diferenciados a pessoas com diferentes condições. Acreditou-se que uma solução fácil para isso seria cobrar menos pelas casas sem reboco, já que geralmente esse é um item de precariedade de um domicílio. Quem não possuia reboco pagava menos IPTU. O curioso é que não muito tempo depois muitas das casas de Muriaé não tinham mais reboco. As pessoas passaram a considerar se valia a pena ter uma casa com superfície lisa ou de tijolos aparentes contra o inconveniente de pagar mais impostos. Concluíram que tijolos à mostra não são tão feios assim.


Famoso exemplo de livro-texto são as casas com janelas tijoladas em Bath na Inglaterra, veja um pequeno trecho do livro de Stiglitz and Walsh (2003, p. 80): "A cidade inglesa de Bath (que significa banho em inglês) já existia antes da ocupação das Ilhas Britânicas pelos romanos. Está situada em um lugar onde há fontes naturais de águas termais, e, por esse motivo, os romanos ali instalaram termas. No final do século XVIII e ínício do XIX, a cidade tornou-se popular entre os abastados.

Um dos traços marcantes da cidade são as belas paredes de tijolo em muitos dos edifícios. Mas o que também chama a atenção é a quantidade de casas com janelas fechadas com uma parede de tijolos. A explicação para essas janelas emparedadas ilustra como os impostos afetam os incentivos e o comportamento das pessoas."

Pois bem, no século XVII, nessa cidade, e em outras da Inglaterra, o rei de plantão observou muito bem que as casas dos ricos eram muito grandes e que casas muito grandes possuem muitas janelas, então, achou que seria uma boa idéia tributar a riqueza por meio do número de janelas que os moradores tinham. Pois bem, novamente, as pessoas consideraram se realmente valia a pena ter de pagar tantos impostos para o governo. Algumas concluiram que não precisavam de tantas janelas assim, e que janelas tijoladas possuem um certo charme ...

Outro exemplo é também caso emblemático que retiro do livro "Economia Sem Truques" de Eduardo Golçalves e Bernardo Guimarães (2008). Em Nova Orleans, terra do Jazz, nos Estados Unidos, existem curiosas casas chamadas casas "camelo", são casas estreitas nas fachadas e compridas em profundidade, normalmente com um segundo andar começando depois da entrada principal ou do alpende (infelizmente algumas dessas casas foram destruídas após o furacão). As casas de Nova Orleans não derivam de um gosto esquisito dos habitandes da cidade, mas sim de um desgosto já mundialmente manifestado: o desgosto de pagar impostos. Então, em Nova Orleans, os impostos eram cobrados por um segundo andar de faixada e largura da entrada, uma casa larga e de dois ou mais andares só pode ser uma mansão não é mesmo?!

Dizem que em Paraty-RJ e em muitas casas de cidades históricas de Minas existem as edificações de telhados com Eira, beira e Tribeira. Os mais pobres não tinham nem eira nem beira. Isso era ostentação do povo de Portugal, mas viesse um político tributar as tribeiras, ficaria todo mundo sem eira nem beira novamente.

Enfim, os exemplos não acabam, esses exemplos das casas são os mais permantes pois contam uma história que ficou naquele lugar por conta dos impostos, há vários outros exemplos que se perdem com o tempo que vão desde o papel que já foi usado nos livros até a presença de tanques a gás nos veículos. Todos eles nos ensinam uma lição: a de que pessoas não são necessariamente pouco civilizadas, de mau gosto ou seja lá o que for, elas simplesmente respondem aos incentivos (monetários ou não), ninguém gosta de deixar dinheiro para os governos, pois apesar de gastar com algumas coisas que todos concordamos serem boas, os governos gastam muito com coisa que, na verdade, não precisamos, ou sobre a qual temos uma opinião diferente da maioria. De maneiras que é preciso pensar muito bem na hora de sacar uma lei para tributar as pessoas, principalmente aquelas leis que envolvem um comportamento que pode ser alterado diante dos impostos.

domingo, 11 de julho de 2010

Resultado da média de Gols da Copa

Espanha foi o time campeão, parabéns aos dois finalistas, temos então o resultado definitivo de gols por partida dessa copa: 2,27 gols. Uma média baixa que não chegou a superar 1990, mas creio que dentro da expectativa que se mostra oscilando em torno de 2,5 gols por partida.


Até breve.

sábado, 10 de julho de 2010

Os Investimentos no Brasil e a Copa II

O crédito no Brasil é caro, isso repercute na vida das pessoas de diversas maneiras, encarece e dificulta a simples compra de um imóvel e atrasa investimentos públicos e privados. Os investimentos tem uma relação inversa com o preço do crédito (os juros). Quanto maiores os juros, menor o investimento. Isso se observa facilmente no mercado, se o financiamento for caro, as pessoas comprarão menos.

Juros elevados diminuem o preço de ativos, isso porque em última instância, ativos permanentes são substitutos das formas líquidas de dinheiro. Quando imaginamos um sujeito rico podemos pensar que ele possui uma mansão em uma rica propriedade, carros de luxo, iates, quadros de grandes pintores, etc... Ou podemos imaginar que ele simplesmente possui uma conta bilionária no banco. Na verdade, quando pensamos em alguém rico imaginamos alguém que possui as duas coisas juntas, isso porque há também uma certa complementariedade entre dinheiro e bens, mas esse não seria um sujeito rico mas sim um sujeito muito rico.

Para equilibrar o exemplo entre sexos imaginemos um homem e uma mulher ricos não casados, que não se conhecem. O homem possui, casas, iates, um jatinho particular, prédios, carros e diversos bens que somam o valor de 20 milhões de reais. A mulher vive de forma mais modesta com poucas posses físicas, mas possui no banco títulos, ações diversas, contas milionárias e diversas formas de poupança no valor de 20 milhões.

Quem é mais rico, o homem ou a mulher?

Os dois são igualmente ricos, é claro, mas estão em posições diferentes de liquidez. O homem está em uma posição muito pouco líquida pois todos os seus ativos estão na forma de ativos físicos. A mulher está em uma posição muito líquida. A liquidez pode ser definida como a velocidade que se pode passar de um ativo para outro sem perder muito valor. O papel-moeda e o depósito bancário são as formas mais líquidas de se guardar dinheiro, quando se tem duas notas de R$ 50,00 e se troca por uma de R$ 100,00 você fez uma troca de ativos sem nenhuma perda de valor. Mas imagine que você tenha um aparelho de som portátil no valor de R$100,00, transformar esse som em uma nota de R$ 100,00 envolverá o tempo necessário para achar alguém disposto a pagar esse preço. Isso pode ser rápido se tiver sorte, e se for um bom aparelho de som portátil, mas pode ser difícil dependendo de outras condições. De todo modo, é fácil vendê-lo se você estiver disposto a cobrar metade do preço, mas assim você estaria trocando o valor para ganhar liquidez, trocando R$ 100,00 por R$ 50,00. É uma situação de desespero.

Voltando à questão do exemplo: o homem e a mulher são igualmente ricos, mas ricos de formas diferentes. No Brasil, a mulher é mais rica do que o homem, no Reino Unido aconteceria o contrário. Isso tem haver com as taxas de juros. Os juros são o preço da moeda, o Brasil possui um dos juros nominais mais caros do mundo. Ter mais moeda (ser mais líquido) no Brasil é bom, pois é possível conseguir boas taxas de rendimentos para os ativos financeiros. No Brasil é possível enriquecer dessa maneira mais do que se simplemente esperasse seus ativos não monetários valorizassem. O preço dos bens físicos é medido pela inflação. No caso do homem milionário, ele torceria para haver inflação, particularmente inflação dos bens de luxo, pois assim seus ativos valorizariam bastante.

Inflação e taxas de juros nominais disputam uma espécie de corrida. A inflação deteriora o valor do dinheiro vivo, mas dá mais valor para as coisas. Os juros funcionaram de maneira oposta: deterioram o valor dos ativos mas dão mais valor para o dinheiro líquido aplicado.* Juros e inflação são representantes do lado monetário e real da economia respectivamente. É comum vermos o resultado líquido chamado de juros reais serem divulgados. Juros reais nada mais são do que (Juros nominais - Inflação):

r = i - π
O r representa os juros reais; i a taxa de juros nominal e π é taxa de inflação. Abaixo no gráfico temos uma comparação de juros nominal da taxa básica do Brasil (a SELIC) e do Reino Unido (a LIBOR).

Fonte: Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br); Banco da Inglaterra (www.bankofengland.co.uk); IBGE para IPCA e Eurostat para HICP

A consequência de uma taxa de juros reais mais alta é uma dificuldade maior de se investir no presente, vale mais a pena guardar para comprar depois dado que os juros valorizam mais do que os preços. Observe que no presente momento a taxa de juros real da Inglaterra é negativa, isso estimula o consumo e pouca poupança, o que depende também de outros fatores conjunturais. Há uma fórmula bem simples para determinar o preço de um ativo em relação aos juros:

P = B/r

Os preços dos ativos (P) dependem diretamente do Bonds (B) ou rendimentos que o ativo proporciona, pode ser um benefício líquido como um dividendo, ou indiretos como aluguéis, rendas, ou o próprio bem estar. E uma relação inversa com a taxa de juros. Se os juros reais se elevam os preços dos ativos caem, isso é uma tentativa de contrabalacear a procura das pessoas pela liquidez. Se a perspectiva dos investidores é de altas nos juros, será ruim ter ativos, pois seus preços irão cair, essa perspectiva desestimula o investimento nos ativos físicos e menos líquidos. O quadro contrário, expectativa de queda nos juros faz os investidores comprarem ativos, pois no futuro eles estarão mais caros, ou seja, vale a pena ter um ativo na mão agora.

Pois bem, essa é uma relação muito simples, válida para títulos vitalícios, a coisa complica mais com títulos de características diferentes, mas ela ajuda a pensar um pouco. A determinação de como se formam as taxas de juros e suas relações econômicas com preços, PIB, desemprego e muitas outras é tema para várias teses. Em nosso ponto aqui, cabe destacar alguns motivos do porquê o investimento no Brasil é baixo e considerado insuficiente. No gráfico vemos a evolução da Formação Bruta de Capital Físico (FBCF) um agregado mais próximo dos investimentos (que são difícieis de medir).**

Fonte: IBGE/Sistema de Contas Nacionais, do sítio: www.ipeadata.gov.br

O patamar de investimento no Brasil é reconhecidamente baixo, não somos um país acostumado a apostar no futuro, apesar de acreditarmos ser um "país do futuro". Em parte é por isso que é tão difícil retirar o Estado e investidores da letargia. Os motivos para o nosso crédito ser tão caro são complexos: alguns dos mais elucidados são o histórico inflacionário brasileiro, risco e confiança dos investidores e o famoso spread bancário (que advém da falta de concorrência).***

Eu gosto de dois motivos para o crédito brasileiro ser caro: o primeiro deles é o institucional, como coloquei no post anterior, o investimento nos estádios brasileiros não decola porque não sabemos estabelecer o mínimo de regras claras para atrair segurança dos investidores, na área privada há o eterno problema dos empresários já estarem acostumados com o estado como first mover, e o estado como sabemos é um first mover muito lento. Não damos garantias e nosso sistema judiciário se afunda em um emaranhado que nada ajuda o investidor. O segundo motivo é também institucional, mas um pouco mais simples de ser solucionado, embora ainda bastante trabalhoso: o crédito em nosso país é multi-fragmentado. Certa vez Henrique Meireles presidente do Banco Central observou com precisão que a questão dos juros altos no Brasil deve ser ponderada pois nós temos diversas linhas de crédito com juros especiais, não referenciados à taxa básica, são alguns deles o crédito rural (menor ou igual a 5% ao ano, com algumas taxas menores do que 1%), linhas de crédito do BNDES (algumas de 6% a.a e outras também favoráveis), os financiamentos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) geridos pela Caixa (juros que variam com o tipo de pessoa tomadora do empréstimo e das condições, mas é em torno de 10% a 13% a.a.). Linhas de crédito especial do Banco do Brasil (contrução naval, consignado) e outros bancos. Enfim, o Brasil possui uma infinidade de créditos alguns bem mais baratos que a SELIC nossa taxa base, outros bem mais caros, que são via de regra créditos privados.

Essa multiplicidade de taxas decorrentes do nosso emaranhado legislativo é o que nos impede ter uma taxa de juros racionalizada, não distinta para determinadas atividades. Essas linhas de crédito especiais fazem o dinheiro empoçar. Imagine uma situação especial do crédito voltado à construção de Ferrovias, por exemplo, mas não há demanda suficiente para aquela linha de crédito, mas sim escassez de crédito para hotelaria. Essa multiplicidade não estabelece vasos comunicantes para o crédito fluir para áreas onde dele necessitem. O crédito para as ferrovias ficará lá parado até que surja um investidor para aquela área, isso pode demorar muito tempo. Aquele crédito fica perdido para os outros setores. Na prática, ocorre é que o lado privado precisa disputar ferozmente o crédito que lhe sobra e não está restrito a condições específicas por setor. Além disso, essa situação não ajuda nem um pouco abaixar a taxa de juros, cria ademais um ambiente institucional muito do pernicioso: investidores ficam esperando uma linha de crédito especial só pra eles lhes cair no colo. No caso de copa, imagine uma linha de crédito para estádios, trem de rápida velocidade e aeroportos pela qual todos esperam.

O arranjo brasileiro faz com que o Estado tenha de intervir, pois mina as oportunidades lucrativas do Capital da iniciativa privada. Temos uma coisa cultural também que é o medo de investir massivamente, pouco constume e estrutura para isso. Nos anos recentes o governo passou a aumentar sua carga de investimentos, a Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP) capta um pouco isso. A NFSP é o resultado de Investimentos do Governo e Poupança do Governo. Ela aumenta quando os Investimentos do governo crescem em relação à sua Poupança. A poupança do Governo caiu, nos anos recentes isso pode ser verificado nas menores margens para o superávit primário (que esse ano até onde vimos voltará a ser déficit). A poupança do governo cai quando cai a tributação (o que ocorreu em 2009 e começo de 2010) e quando se gasta mais em gastos correntes, o que também tem ocorrido. A NFSP aumenta por investimentos do governo, mas não só por isso, a poupança governamental é que tem caído bastante por conta da crise e do ano de eleição.

Fonte: IBGE/Sistema de Contas Nacionais, do sítio: www.ipeadata.gov.br

Infelizmente esse quadro não irá se alterar rapidamente, nem para 2014, nem para 2016, só resta esperar que as demandas que irão surgir nos próximos anos nos façam refletir com mais maturidade sobre o estado da economia brasileira, que possui uma infinidade de reformas microeconômicas ainda para serem feitas, e que o mundial e os jogos olímpicos nos desperte um pouco. Via de regra, não acho o Brasil preparado. Esta é uma oportunidade para atrair investimentos daqui e de fora, mas investimentos fluem tanto melhor, quanto mais organizado estiver nosso ambiente institucional. Pelo que vejo, organização ainda não é conosco, mesmo que se pregue a "ordem" na bandeira nacional.

Link para: Investimentos no Brasil e a Copa I
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*No Brasil do tempo de hiperinflação o bom era ter ativos pois a inflação logo carcomia o valor do seu dinheiro em conta e espécie, então as pessoas que tinham mais dinheiro saiam logo para comprar a dispensa (pois no início do mês o salário tinha mais valor) e tentavam garantir as riquezas com a compra de imóveis, terrenos e outras posses. O Brasil tinha a particularidade de possuir vários ativos líquidos como a poupança que preservavam o valor do dinheiro acima da inflação, por essas e outras razões a superinflação foi sustentável por tão longo tempo. Pessoas de menor poder aquisitivo não tinham como comprar imóveis, bens duráveis e não conseguiam poupar e sofriam mais com a inflação.

** Ano passado o economista Edmar Bacha proferiu palestra em seminário organizado pela Fundação João Pinheiro onde disse que o Brasil precisa 'reaprender' a investir como no período do milagre se quiser continuar crescendo a taxas acima de 5% ao ano promovendo exploração do pré-sal e outras coisas que aparecem em nosso horizonte. Na sessão de perguntas fiz a provocação de que o Brasil precisava na verdade 'aprender' e não 'reaprender', já que o nosso recorde histórico de FBCF é de 26,8% em 1989 e 25,6% em 1975, o patamar natural do Brasil é abaixo dos 20%. O que pode ser considerado pouco em um país que precisa crescer tanto. Bacha não aceitou tanto a provocação, disse que é possivel sim aumentar o investimento acima dos patamares vigentes, lembrou corretamente que a FBCF não é propriamente Investimento, e que o investimento quando foi medido chegou a ser de patamares de 30%. Porém ele não disse como é possível realizar isso, nada sobre o arranjo institucional. OBS: O Brasil não possui ainda uma medição formal de investimento (poucos países a tem) elas são feitas por consultorias, a FBCF não é o melhor medida conceitual, mas é dado oficial disponível, não sujeita à opções metodológicas.

*** Para um estudo detalhado sobre concorrência interbancária no Brasil na nova situação do mercado ver artigo de Caio Ferreira e Elizabeth Farina apresentado na ANPEC 2005.