quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A Ciência Econômica em seus mínimos necessários pressupostos

A economia como parte das ciências sociais sofre muitos e variados ataques. Muitos deles construtivos e vindos de pessoas céticas que se preocupam realmente com o "valor" (o peso científico) dos "achados" da economia. Será que o livre mercado beneficia mesmo a todos?! Empresas privadas ou estatais?! Câmbio livre-flutuante ou controlado?! O salário mínimo melhora a vida das pessoas?!

Para todas essas perguntas há zilhões de respostas, para um economista mais pragmático, nem tantas, mas não vou me ocupar aqui em respondê-las, estudem por si mesmos quem tiver interesse. Minha preocupação aqui é a pergunta que não quer calar: "Seria a economia realmente uma ciência ou uma crença de valores?" Em particular, alguns ataques à economia alegam que há um excesso de pressupostos, suposições irrealistas ou rígidas demais, racionalidade imperfeita e alguns outros pontos que cientistas de outras áreas e metodólogos da própria economia levantam.

Alguns destes estudos estão relacionados ao final do post. Porém não vou enredá-los aqui por economia de tempo, de espaço e paciência dos que já estão carecas de saber desses assuntos para os quais acredito que serão os principais leitores aqui do Blog.

Mesmo não sendo especialista na área, acho relevante e útil pensar sobre o assunto, pois é preciso ter compromisso com o que se está dizendo e propondo como uma teoria econômica positiva. Tendo isso em conta, compreendo que hoje se entende ciência como uma manifestação social, com suas regras particulares. Depois de Thomas Kuhn e sua revolução paradigmática de como interpretar ciência, não é possível passar ao largo de seus constructos sociais relevantes e que vigoram dentro do saber científico. Nenhuma ciência é isenta, caso recente e exemplar dessa fragilidade científica são os tremendos furos do relatório do IPCC, por exemplo.

Outro ponto que hoje é consenso: toda ciência se apóia em pressupostos não falseáveis. Isso é uma pancada no rim de K. Popper. "E de onde surgem tais pressupostos?" Popper nem sequer imaginou em nos explicar. Porém, o cara não estava tão por fora assim, o falsificacionismo parece ser uma boa ferramenta. Tomados os pressupostos-chave como dados (ou axiomas, como desejarem), a ciência deve se manter coerente e rigorosamente lógica e capaz de gerar proposições falseáveis, ou seja, que testem a sua funcionalidade. Foi nessa idéia em que se apoiou Lakatos, discípulo direto de Popper.

Quais seriam os pressupostos mínimos da economia mainstream?!

Por que mínimos?!

- Sim, os pressupostos devem pertencer a um mínimo conjunto necessário para a construção do arcabouço teórico e lógico com proposições falseáveis (navalha de Occam).

Em busca de tais pressupostos mínimos, não é possível descartar tantas revisões pelo qual a economia mainstream passou nos últimos anos 40 e 50 anos: racionalidade imperfeita, modelos de informação assimétrica, modelos de capital humano, restrição de crédito, preços hedônicos. Estou ciente dos aprimoramentos, inclusive, acompanho de perto a evolução de alguns deles, mas não tão de perto os avanços da economia comportamental.

Qual é o hardcore mínimo (o núcleo duro) sobre o qual um economista mainstream, que se denomina como tal, pode fiar? Mais ainda, lanço uma provocação: quais são os pressupostos que separam os economistas dos não-economistas, e se você não aceita alguns desses pressupostos operacionais, você deixa de ser um economista?!

Então, à semelhança de Euclides, eu elaborei, de acordo com o conhecimento vigente, cinco pressupostos que acredito serem mínimos para desenvolver toda a ciência econômica (ambicioso, não?!). Sim, mas não tanto pois, são passíveis de revisões críticas, sugestões e xingamentos. Para cada um dos pressupostos há uma pequena explicação interpretativa não limitadora do que é, e de como o pressuposto se aplica. Nos curtos parágrafos debaixo de cada pressuposto, procuro explicar um pouco a nomenclatura, mais para esclarecimento do leitor leigo do que qualquer outra coisa, pois os pressupostos geram teoremas, mas para eles próprios não cabem provas.

Reforço que apesar da leitura metodológica, tais pressupostos são propostos por mim mesmo, e chamo aqui responsabilidades sobre todos os ônus e bônus:

pressuposto 1:

1. "O comportamento humano é modelável".

- Quebrar esse primeiro postulado é dizer que as pessoas não se sujeitariam a regra nenhuma. Não haveria sinais de trânsito, você não teria preferências sobre nada, um dia usaria roupas, outro dia não, seus hábitos de consumo, trabalho, lazer não teriam nenhum padrão, ou seja, você não conseguiria adquirir nem ao menos um processo de linguagem, um ser humano completamente aleatório em todos os seus comportamentos. Não é assim que parece ocorrer na realidade, o modelo para comportamentos não é completo pois as variantes são infinitas, mas podemos dizer que as pessoas seguem padrões até quando querem subverter padrões. Não é um pressuposto exclusivo da economia, acontece em outras áreas das ciências sociais e humanas, a ciência humana que mais extrapola seus limites é a antropologia (Lévi-Strauss).

pressuposto 2:

2. "As pessoas fazem o melhor para si".

- Esse é outro postulado bem operacional. É possível encontrar pessoas que não fazem o melhor pra si, isso se torna mais evidente se inserirmos modelos que admitem erros (quem nunca errou um caminho mesmo com um mapa na mão, ou mais modernamente, com um GPS?). Problemas cognitivos atuam e existem 'n' restrições mais. Masoquistas e suicidas acreditam que os seus atos são melhores pra si mesmos, o que não é verdade no olhar dos outros, mas isso não interessa ao economista, na perspectiva própria, eles estão fazendo o melhor para si mesmos. E lembrem-se que é um postulado, se aproxima bastante da realidade e, como postulado, não está sugeito ao falsificacionismo, mas sim à mudança caso queira inventar outra ciência. A economia comportamental ou behaviorista, adota o pressuposto de que a formação do que é melhor para si é influenciada por grupos, e mesmo que isso leve a erros, continua forte o pressuposto 2. É possível abrí-lo para essas outras restrições atuantes. Ademais, quanto mais frequentes e maiores os erros admitidos em um modelo com o pressuposto 2, mais se pode distanciar de algum equilíbrio, porém, observe que o equilíbrio não será assumido em nenhum dos meus cinco pressupostos.

pressuposto 3:

3. "Os recursos são escassos".

- A ciência econômica trabalha com recursos finitos. Esse é um postulado bem razoável, a Terra como uma esfera, é limitada em diâmetro e volume. O universo pode ser finito ou infinito, os físicos ainda investigam, mas para fins práticos da ciência econômica, o universo infinito não cabe em nossas necessidades mundanas. E economia é uma ciência mundana. No entanto, esse postulado não é tão óbvio quanto pode parecer a primeira vista, muito já se aprendeu sobre como interpretá-lo. Há recursos visíveis: terra, água, petróleo, minério, florestas e mais todos os bens tangíveis que podem ser transformados pelos homens e que são invariavelmente finitos. Porém, há recursos invisíveis também finitos. O conhecimento humano é o principal deles. O conhecimento humano é finito, podemos discutir até onde ele vai chegar no longo prazo, como medi-lo, etc. O que os modelos de Capital Endógeno fazem é supor um conhecimento humano infinito ou senão sempre crescente. Na idade média, a humanidade não sabia o que era petróleo, o conhecimento limitava essa exploração. Esses recursos, mesmo que existentes, eram irrelevantes. Pela via do conhecimento é possível que ampliemos os recursos disponíveis. Isso é o que modernamente chamamos de saltos tecnológicos.

pressuposto 4:

4. "Os recursos escassos podem ser repartidos".

- As diferentes frações e propriedades distintas dos bens determina os preços de troca (nominais ou não) responsáveis pela alocação de recursos. Os recursos são divididos de acordo com regras de propriedade. Porém os indivíduos são livres para negociá-las. Parte importante dos recursos não pode ser repartida individualmente ou no âmbito familiar o que se constituem bens comuns, que requerem um regime especial de trocas.

pressuposto 5:

5. "Cooperação para conflitos entre choque de preferências".

- A busca pelo melhor individual de uma pessoa pode se opor a busca da preferencial de outrem. Quando o direito de propriedade individual é ameaçado pelos interesses de segundos e terceiros, é necessária uma solução cooperativa, geralmente provisionada por uma terceira parte. Essa terceira parte podem ser leis, instituições, ou mesmo um acordo mútuo coordenado.

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Esses cinco simples pressupostos foram construídos de forma a deixá-los o mais livre possível de fortes afirmações não observadas na prática diária do comportamento das pessoas. Eles tem a pretensão de serem ahistóricos e universais, e isso é um ponto fraco e uma crítica que se pode fazer. Mas esses devem ser os propósitos de pressupostos científicos: devem ser atemporais e acríticos. Convido os leitores a fazer um verdadeiro esforço de validação. Aqui não cabe a falsificação lógica ("falseamento"), mas sim a rejeição por sentidos práticos ou a adequação (também por sentidos práticos) de alguns do pressupostos.

Observem que não há maximização, mas ela cabe dentro dos pressupostos. Aqui não há racionalidade maior do que procurar o bem para si mesmo (lembrando que esse bem para si mesmo envolve uma perspectiva mais ampla que inclui desde o altruísta até o masoquista). Não há equilíbrio parcial nem geral, mas ele pode ser incluído. Não há preços nominais, mas também nos os exclui. Enfim, é o consenso mais geral que pude formular até o momento. Não há função de utilidade, não há lei dos rendimentos marginais decrescentes, não há função de produção, lucros, custos não há nada disso. São pressupostos gerais mesmo!

Tenho consciência também de que essa maneira de organizar os pensamentos em pressupostos não é a única exclusiva, e nem é mais científica que as demais. A crítica de Hayek (1979) está incorporada, não estou simplesmente 'macaqueando' conceitos de outras áreas, apenas tentando estabelecer um core pragmático.

Para mim, as perguntas chaves são:

- Com esses cinco pressupostos é possível construir toda a economia teórica mainstream?
- Há mais pressupostos necessários?
- Há menos pressupostos necessários?
- Não seriam pressupostos vagos demais? (Aqui cabem provas, pois os teoremas e demais axiomas devem ser derivados desses pressupostos, isso requeriria uma agenda de pesquisa colossal de provas dos teoremas importantes da economia)
- Quais são os teoremas importantes da economia?

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Referências para consulta:

Blaug, M. "Metodologia da economia; ou como os economistas explicam". São Paulo: Edusp, 1993.

Backhouse R. E.; Boianovsky, M. "Whatever Happened to Microfoundations?". Encontro Nacional de Economia ANPEC, 2006.

De Paula, J. A.; Crocco, M.; Cerqueira, H.; Albuquerque, E. d M. "Conhecimento e interesse em Economia" Texto para Discussão Nº 178, cedeplar - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, UFMG. 2002. http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20178.pdf

Economist, The. "It's mine, I tell you: Mankind's inner chipanzee refuses to let go. This matters to everything from economics to law". The economist print ediction. Jun, 19, 2008.

Friedman, M. The methodology of positive economics. In: Essays in positive economics. Chicago: University of Chicago Press, 1953.

Hayek. F. A. "The Counter-Revolution of Science: studies on the abuse of reason". 1979. Liberty Fund.

Klamer, A. “Conversas com economistas: os novos economistas clássicos e seus opositores falam sobre a atual controvérsia em macroeconomia”. Pioneira: São Paulo, 1988.

Klamer, A. McCloskey, D.; Ziliak, S. "The Economic Conversation" e-book interativo:
http://www.theeconomicconversation.com/

Krugman, P. "What undergrads need to know about trade?" American Economic Review, Vol. 83, No. 2, Papers and Proceedings of the Hundred and Fifth Annual Meeting of the American Economic Association, May, 1993.

Kuhn, T. S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1989.

Martini, R. A. “Os programas de pesquisa lakatosianos e a metodologia da economia neoclássica:
contribuições e críticas”. Encontro Regional de Economia. 2008.
http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/eventos/forumbnb2008/docs/os_programas_de_pesquisa.pdf

McCloskey, D. "The Secret Sins of Economics. Prickly Paradigm Pamphlets (Marshall Sahlins, ed.) University of Chicago Press, 2002.

Pin, C. "Preços e Livre Arbítrio: da ordem sensorial à ordem espontânea em Hayek". Dissertação no mestrado em economia da Universidade de Brasília, UnB, 2009.
http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/4309/1/2009_CedricPin.pdf

Popper, K. "The Logic of Scientific Discovery" Routledge, 1977.

Ward, Benjamim. O que há de Errado com a Economia? Rio de Janeiro; Zahar Editores, 1975.

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